segunda-feira, 18 de maio de 2020

7 ERROS DO JORNALISMO NA PANDEMIA




   Texto de reportagem do Brasil de Fato

1. Cair na armadilha de sempre: o sensacionalismo
A violência nas favelas sempre foi o tema mais coberto pela grande mídia, cristalizando uma imagem já estigmatizada. A crise do coronavírus não parece ter desencorajado alguns canais de continuar veiculando as mesmas ideias sensacionalistas, às vezes baseadas em provas escassas. Em particular, em meio à pandemia, e enquanto organizações comunitárias respondiam à crise com incrível prontidão, várias mídias brasileiras e internacionais resolveram focar, na terceira semana de quarentena, na informação de que o tráfico de drogas impunha um toque de recolher em algumas comunidades. Um conteúdo raso e sem função social, tomando tempo e energia de leitores num momento em que a leitura e o compartilhamento de informações de qualidade são essenciais para salvar vidas. Não há justificativa ética para este foco durante uma semana tão crítica. A única justificativa, como comumente é o caso na cobertura das favelas, é o Ibope e o lucro em cima do descaso.
2. Romantizar o isolamento
Ao fazer reportagens sobre a adaptação do modo de vida na sociedade em tempos de isolamento social, alguns jornalistas focam em histórias dos que conseguem lidar bem com a situação, sem mencionar as dificuldades vividas pela grande maioria. Se alguns aproveitam do isolamento para se dedicar a sua família, redescobrir prazer simples, se centrar no seu lar e cuidar de si, na realidade, para a maioria, a maior preocupação do isolamento é de sobreviver à fome, medo, promiscuidade, violências domésticas e falta de perspectivas.
3. “Heroicizar” ativistas comunitários sem denunciar a falta de serviços públicos
Desde o começo da crise da covid-19, muitos grupos comunitários se organizaram para divulgar informação de prevenção, arrecadar doações, distribuir kit de higiene e cestas básicas para famílias que passam por necessidades, e mais recentemente costurar máscaras, instalar pias comunitárias ou higienizar os bairros. Estas iniciativas de solidariedade e mobilizações, para e pelas próprias comunidades, estão cada vez mais aparentes na mídia, o que é bom, por um lado, para mostrar a agência e protagonismo local e sua eficácia e capacidade. Mas, por outro lado, pode não ser positivo, se faltar na matéria a recordação da ausência de serviços públicos e a negligência do estado que está na origem das carências. Os voluntários comunitários chegam ao ponto de tomar as rédeas porque os poderes públicos não assumem a responsabilidade que lhes cabe.
4. Não cobrir, ou cobrir superficialmente, a violência doméstica
Parte muito pequena da mídia está se debruçando sobre os efeitos sociais danosos e potencializados pelo isolamento social, tais como os episódios de violência doméstica. Salvo raras exceções presentes em iniciativas editoriais independentes, setorizadas ou institucionais, a produção de conteúdos contextualizados e focados especificamente neste tipo de violência são raros ou muito superficiais. No entanto, os impactos perturbadores dessa violência sobre a saúde física, sexual, reprodutiva e mental de mulheres, crianças e adolescentes, incluindo a população LGBTQA+ são imensas, ainda mais quando fugir não é uma opção.
5. Não remunerar comunicadores populares contribuintes e usar imagens de pessoas sem sua autorização
Em tempos de pandemia, ainda mais do que o habitual, poucos são os jornalistas que se aventuram no território das favelas, então o trabalho deles baseia-se em boa parte nas fontes locais. Muitos moradores de favelas acabam exercendo o papel de fixer ou produzindo conteúdos diretamente retomados pela mídia. Apesar da parceria estabelecida e da troca de qualidade de conteúdo, é essencial que veículos e equipes de grandes redes de comunicação seja TV, impresso ou portais de notícias e agências, estabeleçam um pagamento pelo apoio e uso da produção de conteúdo dos comunicadores comunitários.
6. Falta de apuração ou informações imprecisas 
Quando o tema é favela é possível encontrar com facilidade, na grande mídia, matérias mal apuradas, com informações faltando ou até mesmo contendo imagens ou dados falsos, como no caso ocorrido em Acari. É necessário fazer apuração de qualidade quando o assunto vem da favela da mesma forma como se a informação viesse de qualquer outro lugar, talvez, até mais. Ter fontes seguras é fundamental. É preciso buscar associações locais, moradores, líderes comunitários, jornalistas que moram na região, acessar os sites e redes sociais de mídias e coletivos de favela e, dessa forma, buscar e reunir informação de qualidade. 
7. Falta de empatia
As matérias contando os óbitos por coronavírus em favelas se multiplicam a cada dia, apontando cada morador de favela como mais uma estatística de maneira fria, quando deveriam ser valorizadas as histórias das pessoas, como é feito com moradores de áreas nobres. É fundamental ter um olhar mais humano, porém sem violar a privacidade das vítimas e de suas famílias.