segunda-feira, 11 de maio de 2020

MEU PAI ME DEU UMA TELEVISÃO!

     

    Um sonho de infância que se realizou: Meu pai me deu uma televisão. E em cores. Naquela época a gente só falava "à cores". Na verdade, essa TV foi herança. Meu já saudoso pai precisou ir resolver uns negócios mais em cima e nos deixou. Mas essa televisão não é só minha. Divido com irmãos e com um primo, muito materialista. Ele já sugeriu algumas vezes que a gente vendesse a TV e investisse o dinheiro em patas de cavalo. Será que ele gosta de apostar tanto em corridas?
    De um jeito ou de outro, ficamos com a televisão. É grande. Dá pra ver o estado inteiro. Tela gigante. Última tecnologia. Vale tanto que eu até pensei em doar parte para religiosos. Sabe como é. Quanto mais gente rezando pela gente, melhor deve ser nossa entrada no paraíso. E eles me garantiram que, se eu colaborar, meu cantinho está reservado nesse céu imenso e azul.
    Sempre pensei assim: Na nossa televisão (minha, dos meus irmãos e do meu primo, o materialista), acho que a gente tem de ver uma programação voltada pra família. Com assuntos edificantes, que valorizem as boas ações, o espírito cristão de cada pessoa. Essa coisa de política, de denúncia, não é legal. Afinal, já disseram que político é tudo igual. E se a gente ficar espalhando essas histórias de que determinados sujeitos devem ir para a cadeia, numa dessas eles vêm aqui pra tirar a TV da gente. E aí vai ser o pior: Como ficam nossos programas de oração? De fazer o bem? De belos exemplos? Como seremos seres puros?
    Mas numa coisa acho que o meu primo capitalista tem razão: A manutenção de uma televisão é muito cara. A gente gasta muito. Não que isso vá nos deixar menos ricos, mas é um absurdo dividir uma parte, por menor que seja, do que a gente tem, pagando bons salários para a turma que deixa a TV funcionando, ligadinha, nosso orgulho. Nosso e da piazada que nos acompanha. Se a gente percebe que o salário de determinadas pessoas está muito alto, vamos demitir.
    Que fique claro: Nossa televisão é nosso brinquedinho, acima de tudo. Mas também uma fonte de renda. A gente reúne tanta gente pra assistir, o tal "televizinho" e já há quem se interesse em pagar, patrocinar, pra gente ligar essa TV pra tanta gente.
    Vou voltar ao assunto.
    A propósito: Chamam-me Henrique.