segunda-feira, 14 de setembro de 2020

"ÓRFÃOS DO CONTESTADO": OS BASTIDORES DA PRODUÇÃO


Dirk com Maria Simão, a Mariazinha, uma das últimas sobreviventes da Guerra do Contestado, e o filho dela, Capitulino. Foto feita em Santa Cecília, Santa Catarina em 13/01/2020


    O Webdocumentário "Órfãos do Contestado" revela a história sangrenta e cruel da Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, numa extensa região de Santa Catarina até a divisa com o Paraná. Nele você verá as razões econômicas, políticas, sociais, religiosas e a luta pela terra na grande região conflagrada. O conflito envolveu o Exército Brasileiro, Polícias Militares do Paraná e de Santa Catarina, multinacionais que construíram a estrada de ferro e colonizaram a região com imigrantes italianos e alemães. O movimento de resistência juntou cerca de oito mil ex-funcionários da estrada de ferro demitidos após a conclusão da obra e milhares de moradores locais, a maioria caboclos jagunços, expoliados de suas terras por capangas das multinacionais. Envolveu também fazendeiros, latifundiários e vaqueanos, contratados pelo Exército para combater os revoltosos. O movimento surgiu quando o Monge José Maria reuniu seguidores em Taquaruçu, então município de Curitibanos, hoje Fraiburgo.Mesmo após sua morte no Irani, o movimento messiânico aumentou com a liderança das virgens Maria Rosa, Teodora e Francisca Roberta, a “Chica Pelega”, Alemãozinho, Bonifácio Papudo, Chiquinho Alonso, Adeodato Manuel Ramos e tantos outros que formaram dezenas de redutos. Armados, os caboclos enfrentaram o Estado por quatro anos, numa revolta muito maior que Canudos, anos antes, em 1897.Este webdocumentário "Órfãos do Contestado" tem 22 minutos e meio. Foi produzido com recursos próprios e gravado com Iphone e microfones de lapela Boya, câmera Go Pro e IGimball. Nesta entrevista ao blog Bora Pensar! o jornalista Dirk Lopes, autor do audiovisual, fala dos bastidores da produção e gravações.

Bora Pensar! - Quanto tempo levou entre pensar  a produção e ir pro campo?
Foram 15 anos de pesquisas e leitura de dezenas de livros. A produção foi realizada em dezembro de 2019, com alguns contatos prévios, gravações em janeiro, roteiro de fevereiro a julho, edição em agosto e publicação em setembro de 2020.  



Bora Pensar! - Distância percorrida e cidades?
Foram 1.400 km de estrada a partir de Curitiba, num roteiro que incluiu União da Vitória e General Carneiro (PR), Porto União, Irani, Água Doce, Salto Veloso, Caçador, Lebon Régis, Santa Cecília, Timbó Grande e Papanduva (SC) com gravações em igrejas, locais de acampamentos, sítios arqueológicos e redutos dos caboclos seguidores do Monge José Maria, chamados “quadro santos”, que foram palcos de batalhas com milhares de mortos e museus históricos que preservam armas, munição e documentos da Guerra do Contestado e da Ferrovia São Paulo-Rio Grande. E depois outra viagem ao Rio de Janeiro para gravações no Palácio do Catete, Forte de Copacabana e CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV - Fundação Getúlio Vargas. E na volta à Curitiba, gravações na Biblioteca Pública do Paraná e Museu da Estação Ferroviária.


Bora Pensar! - Quantos dias de produção? 
As gravações no interior do Paraná e Santa Catarina foram realizadas entre 6 e 13 de janeiro de 2020. No Rio de Janeiro entre 15 e 21 de janeiro de 2020 e em Curitiba entre 23 e 30 de janeiro de 2020.

Bora Pensar! - Curiosidades?
Para fazer o melhor possível, temos que caprichar nos detalhes. Na fase de gravações, passei quatro horas numa estradinha de chão em General Carneiro procurando pessoas com mais idade que poderiam saber de relatos da queda do avião de Ricardo Kirk por seus pais ou avós. Encontrei o aposentado Pedro Maguelniski Sobrinho, de 92 anos, às 18h00 e ele já estava dormindo. Seus familiares foram o acordar e ele veio bem falante. Para localizar a Maria Simão, a "Mariazinha", tive dicas do professor Nilson Fraga, geógrafo da UEL, que morou 10 anos na região do Contestado e pesquisa o tema há 20 anos. Em Caçador, o diretor do Museu do Contestado, Julio Corrente, passou o contato de uma ex-estagiária, a historiadora Flávia Raphaela, que hoje mora em Curitiba. Ela passou o contato de sua irmã Rhubia, que mora em Santa Cecília. Resolvi me hospedar na cidade, sem saber se encontraria Mariazinha. Rhubia enviou a localização de Mariazinha às 7h10 da manhã, quando eu tomava café no hotel. Saí correndo para o local antes que expirasse a localização do "Google Maps". Entrei numa rua procurando pela senhora idosa do cajado que mora com o filho que anda de bicicleta. Daí soube que era na rua dos fundos, fui até um armazém, quando disseram que ela morava numa casa de fundos de outra casa alaranjada. Chegando lá às 8h00, a vizinha me levou até Mariazinha, que não ouve muito bem. Até que ela disse que "não daria entrevista". Falei que rodei 300 km para encontrá-la. Ela abriu um sorriso e disse pra esperar a volta do filho, o que demorou uma hora e meia. Conversou muito e quando o filho veio, foi uma entrevista emocionante. Fiquei 3 horas na casa dela. É preciso ter muita paciência para entrevistar pessoas idosas.Em um mês de gravações, foram 860 clipes no Iphone mais 40 clipes na câmera GoPro rodando em estradas. O roteiro foi escrito, impresso e reescrito pelo menos seis vezes antes de ser gravado. A edição durou três semanas, de segunda a sexta-feira, com a editora de imagens Steffani Daudt e o autor sempre junto na ilha de edição. São muitos detalhes de áudio, vinheta, GC's, trilha sonora, ficha técnica, e a cada revisão, havia algo a ser cortado ou alterado. Não há como fazer isso em um único dia. É mais um longo processo de paciência.
Expedi 30 documentos para autorização do uso de imagem, entrevistas, fotos e músicas. Alguns demoraram sete meses para chegar. Apenas para usar um vídeo da música "Chica Pelega" com dança de facão pedi autorização escrita para o cantor gaúcho Elton Saldanha, para a coreógrafa Rosângela Matte da Silva Kojinski, de Timbó Grande, para o jornalista Arthur Peixer, que fez as imagens e para Vicente Heleodoro de Paula Telles, filho do autor da música, Vicente Telles, já falecido.



Bora Pensar! - Objetivo do documentário?
Durante décadas a Guerra do Contestado foi esquecida pela história oficial e durante o Regime Militar de 1964 a 1985 era contada nas escolas públicas em não mais que meia página de uma apostila. A razão apontada era o conflito de limites de terras entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, fato que realmente acontecia em paralelo na região “contestada” pelos dois estados, mas não foi o motivo da conflagração.
O objetivo geral é revelar aos estudantes de nossos estados vizinhos a violência da Guerra de brasileiros contra brasileiros, a opressão do Estado e os motivos da
conflagração, um barril de pólvora que deixou 8 a 10 mil mortos e foi o maior conflito do Brasil no Século XX.
O objetivo específico foi gravar depoimentos com historiadores, escritores, pesquisadores, produtores culturais, associações, diretores de museus,
sobreviventes, filhos e netos de ex-combatentes e testemunhas de fatos históricos para demonstrar como são maltratadas as questões agrária, religiosa, política, social e econômica, mazelas que o Brasil enfrentou e enfrenta até hoje.
A motivação foi um resgate às raízes. Nasci em Xaxim, oeste de Santa Catarina, numa região que fez parte do território “Contestado” pelos estados do Paraná e Santa Catarina no STF e pertencia ao Paraná durante a conflagração. As divisas atuais dos estados foram acordadas em 20/10/1916 entre os estados no Palácio do Catete no Rio de Janeiro, após o conflito. Inscrevi o webdocumentário na categoria "Curta Metragem" no 30º Cine Ceará - Festival Iberoamericano de Cinema, de 28/11/2020 a 04/12/2020, e aguardo a avaliação para saber se será ou não selecionado. A Band Paraná exibiu o trailer no telejornal "Acontece Paraná" às 6h30 de 10/09/2020 e a Rede CNT exibe o audiovisual em capítulos desde o dia 8 no CNT Jornal às 22h00 para todo o Brasil.Publiquei o conteúdo gratuitamente no meu canal do YouTube criado no feriado de 07/07/2020 e tive 161 inscritos e 1.406 visualizações em seis dias. Por isso, peço a todos para inscrever no meu canal e acompanhar tudo gratuitamente.

https://www.youtube.com/channel/UC_xwb9NomNng1Pfhcq8_zIA


Dirk no Reduto de Santa Maria, limite dos atuais municípios de Timbó Grande e Lebon Régis, Santa Catarina