sexta-feira, 8 de setembro de 2017

AULA DE ETIQUETA

    Mais uma aula de etiqueta compartilhada pelo professor Benedito Costa Neto. Aproveite!

"Hoje é dia 06 e o boleto venceu ontem. Se não pago hoje, somente dia 11. O banco fará as contas (de que é feriado) e vai me cobrar as multas todas do dia 05 ao dia 11.
No ônibus, uma guria reclamava para a amiga que só recebe no quinto dia útil e quinto dia útil também cai no dia 11, eu acho. Feriado é bom para quem não tem esses problemas. (Inclui aí atraso de clientes, pagamentos em cheque antes do feriado, encomendas para o dia 31 de agosto que até agora não foram pagas, etc.) Eu vou ao banco porque realmente preciso. O boleto só pode ser pago no banco. Preciso pegar dinheiro numa agência e pagar o boleto em outra. Tenho duas horas para fazer isso e possivelmente me atrase. Os bancos devem estar cheios.
Ainda preciso pagar fornecedores, a moça que ajuda na montagem, a senhora que trabalha em casa. Preciso fazer isso, mesmo que volte a pé para casa.
Chego à primeira agência. Sempre traumático entrar quando não uso terno. Estou de jeans e camiseta. A agência não tem uma porta giratória e sim um cubo em madeira e vidro dentro do qual vc fica, sem ver a pessoa do outro lado. A pessoa fala com vc. Você precisa tirar tudo o que é de metal. Eu tiro todas as minhas armas e explosivos: um motorola com a tela quebrada, uma caixa de óculos ferrada, meu relógio (sim, a pessoa me diz que preciso tirar o relógio) e … o chaveiro prende na calça. O mecanismo é ruim de tirar. Eu fico nervoso. Penso dez vezes em desistir, voltar pra casa, fazer pipoca, dormir com os cães. [Não posso! Tenho aluno para atender.] Consigo, finalmente. Volto para a rua. A porta se fecha com minhas armas e explosivos altamente perigosos lá dentro. A porta abre. Volto para o cubo.
Não sei se li ficção demais. Tenho pavor desse cubo. A porta demora dois ou três segundos para abrir e eu acho que ficarei a eternidade lá. Ou o cubo vai despencar até o inferno.
Entro na agência. Hoje não vou tomar o péssimo café de garrafa deles tampouco ler a Valor Econômico, que mostra um país de riquezas para poucos, as fontes de onde se rouba tanto. Subo as escadas. Embora a pomposidade do nove francês da agência, há filas, demoras e poucos caixas, resguardados por um biombo de vidro jateado.
Eu esqueço da lei. Vejo uma mensagem no meu celular. Mais um cliente que vai viajar sem me pagar. Ok. Eu já estou na agência para fazer uma transação que vai me arrebentar mas que liquida o boleto da Unimed. Tenho medo dos atrasos dos boletos da Unimed. Da outra vez, o contrato rezava que os atrasos eram cumulativos: mesmo pagando multas e juros, o contrato podia ser cancelado. E foi. Eu nem sabia disso.
Ouço uma voz que sai de caixas acústicas. É uma mensagem de segurança. Diz que é proibido usar telefone celular no interior da agência.
De trás do biombo sai uma mulher com um escarpim preto com o salto torto. Ela pisa firme e torto e aquilo me incomoda. Ela sai, nervosa, e repreende duramente um segurança. Fala alto para ele: “já falei para avisar os clientes que não é para usar o celular!” Estou pensando na morte da bezerra, mas me dou conta que a mensagem é para mim. Estou de costas para eles. Quando me viro, a mulher de salto torto e o homem descem as escadas.
Volto o corpo. Preciso enxergar o visor que avisa a que caixa devo me dirigir. Pelo rabo do olho, percebo que uma pessoa achega-se. Olho para ela: é uma segurança. Está armada. Ela se planta na minha frente e pergunta, com voz firme, se eu estou bem. Ela não quer saber se estou bem. Eu titubeio na resposta. Não sei o que dizer. Ela me observa, cada movimento meu. Tenho medo de mexer nas minhas armas e nos explosivos: o celular quebrado, as chaves, etc., tão perigosos para o Itaú.
Uso o caixa. A moça tem dúvidas sobre a origem do cheque que preciso trocar. Tem sérias dúvidas sobre meu documento de identidade (na real, é velho mesmo). Mas me paga. Quando recebo o dinheiro, tenho vontade de chorar. Eu poderia gastá-lo com tanta coisa, mas sei que, após enfrentar uma fila homérica no BB, meu boleto terá sido quitado. E todas as pessoas que preciso pagar terão recebido.
Eu me sinto um lixo, bandido, assassino, não sei. Percebo que preciso dar um tapa na aparência ou comprar roupinhas melhores.
[Há várias ironias nessas situações. Você que leu até aqui e deve ter passado por algo similar (certa vez eu só consegui entrar num HSBC após sugerir que ficaria pelado) deve saber quais.]
A experiência no próximo banco tem outros traumas. Mas cumpri meu dever para com o boleto da Unimed. Agora, relaxar um feriado tonto."

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