quarta-feira, 21 de março de 2018

"FANTÁSTICO TENTOU PASTEURIZAR O RADICALISMO DE MARIELLE" ( GLEEN GREENWALD)

    Na segunda-feira, esse blog havia dito que a televisão transformou  Marielle Franco, do Psol, em personagem de novela, ao tratar o assassinato da vereadora como uma trágica história pessoal. Foi dito que ela era defensora dos direitos humanos. E apenas isso. Foi "esquecido" o radicalismo político de Marielle na defesa de mulheres, negros, favelados. O Bora Pensar também destacou que, tão - ou mais - importante do que saber quem puxou o gatilho é saber quem mandou puxar o gatilho.
    Agora veja o que escreveu Gleen Greewald no site "The Intercept Brasil".

      "Não deixe que a política radical de Marielle seja explorada ou apagada, como o Fantástico tentou fazer ontem à noite"

ONTEM À NOITE, a Rede Globo dedicou 45 minutos de seu popular programa “Fantástico” à execução de Marielle Franco e ao assassinato de seu motorista, Anderson Gomes. Essa história vem dominando as manchetes no Brasil durante a última semana, e continua recebendo destaque em órgãos de imprensa do mundo todo.  
    Esse não foi um caso em que a cobertura da Globo elevou uma história à proeminência nacional. Muito pelo contrário: O que nós vimos foi a Globo tentando assumir o controle de uma história que explodiu online graças ao ativismo cidadão e à raiva inconformada causada pelo crime, sem que se precisasse de ajuda ou amplificação dos grandes veículos de imprensa. 
    Essa é uma das poucas vezes em que a grande mídia brasileira foi uma espectadora, não o motor, de uma história. A Globo pôde ver que a reação ao assassinato de Marielle vinha crescendo e se fortalecendo, indo em direções que deixam as elites brasileiras profundamente desconfortáveis. A cobertura que vimos ontem no Fantástico foi a tentativa da Globo de retomar o controle da narrativa. 
    Houve partes da reportagem do Fantástico que foram genuinamente informativas e jornalisticamente impecáveis, em especial a exposição detalhada e baseada em fatos de Sonia Bridi, onde ela mostrou , de forma assustadora, o profissionalismo e a competência demonstrados pelos criminosos, indicando de maneira convincente que seja lá quem tenha sido o mandante dessa execução sabia exatamente como o crime seria investigado pela polícia e como evitar detecção. 
    Esse fato aterrorizante é uma peça fundamental do quebra-cabeça que é entender quem mandou matar Marielle. Outras partes foram verdadeiramente comoventes e apresentadas de forma belíssima, em especial as entrevistas com Mônica Tereza, a esposa inconsolável de Marielle, a sua filha, seus pais e sua irmã. 
    A inclusão proeminente da vida e morte de Anderson, bem como uma entrevista conduzida forma muito delicada com sua viúva, são também elogiáveis.O programa fez jus à trajetória notável e inspiradora da vida de Marielle: da pobreza, privação e maternidade solteira aos 19, ao curso de Mestrado, ativismo pelos direitos humanos, empoderamento político e votação massiva em sua candidatura à câmara municipal em 2016. 
    Esse não foi um momento insignificante na mídia brasileira: uma negra, lésbica, da Maré e do PSOL homenageada e glorificada numa das plataformas de mídia mais importantes da Globo, com milhões de pessoas assistindo. A esposa de Marielle foi incluída com destaque, e não escondida.
    As perspectivas de vários políticos de esquerda e ativistas foram incluídas de maneira respeitosa. E eles condenaram e criticaram os políticos e juízes de direita que vem espalhando mentiras sobre a vida de Marielle. Tudo isso deve ser celebrado.
     MAS MARIELLE ERA, antes de tudo, uma pessoa política: uma radical, no melhor e mais nobre sentido da palavra. Foi seu radicalismo que a tornou uma inspiração para tantos indivíduos sem voz, e uma ameaça a tantos grupos poderosos e corruptos. Seu ativismo e suas crenças políticas eram a essência de Marielle, uma parte fundamental de sua identidade, a peça central daquilo que a tornou uma figura com tanta força e poder. 
    O crime que terminou com sua vida foi também estritamente político. Não há maneira de compreender a vida e o assassinato de Marielle sem uma sincera e clara discussão de sua vida política. O que faz de seu caso tão jornalisticamente relevante é sua política, que por sua vez produziu os motivos políticos para que alguém a quisesse morta. Estes são os assuntos mais difíceis e complicados, além de os mais importantes, na cobertura da vida e da morte de Marielle.
    E foram estes assuntos que o Fantástico evitou quase completamente – com exceção do momento em que os manipulou descaradamente para seus próprios interesses. No único trecho em que tratava de sua vida política, o fazia de maneira banal, com uma discussão condescendente da definição de “direitos humanos”, que o Fantástico basicamente reduziu a uma declaração paliativa e incontroversa de que todos os humanos nascem livres e devem ser tratados igualmente: proposições que virtualmente todo político brasileiro, da direita à esquerda, endossaria alegremente.
    O Fantástico drenou a política de Marielle de sua vibração, seu radicalismo e sua força, e a converteu em um gibi simplista de clichés vazios que, na prática, não seriam questionados por ninguém. Extinguir a sensibilidade política real de Marielle foi crucial para alcançar os objetivos da Rede Globo. As emoções derivadas do brutal assassinato de Marielle foram contundentes e poderosas. A questão é: para que fins estas emoções serão direcionadas? Que consequências elas forjarão?
    EM ÚLTIMA ANÁLISE, o que o Fantástico realmente buscava se tornou cristalino no fim de sua cobertura. Tomaram o poder ainda crescente da história de Marielle, e tentaram limita-lo à uma simples e apolítica história de interesse ordinário, algo que nos faz chorar, sentir-nos tristes, empáticos, e talvez até irritados, mas não de uma maneira que faria o espectador adotar as causas de Marielle, ou devotar sua vida à agenda política que ela simbolizava.
    A Rede Globo e seus companheiros da elite cultural enxergam um grave perigo nos efeitos do assassinato de Marielle. Eles podem ver que o caso está acordando pessoas tradicionalmente desapoderadas para a crueldade das desigualdades sociais e da intolerável criminalidade de suas forças policiais. O crime está estimulando moradores de favelas a se organizar e mobilizarEsse crime está apontando um dedo não para os traficantes de drogas ou criminosos comuns – a narrativa favorita da Globo – mas às forças utilizadas pelas elites do país para impor seus interesses e assegurar seus privilégios: seus exércitos, suas polícias, seu sistema político tradicionalmente masculino, branco e rico.
    São estes grupos e essa política que Marielle dedicou sua vida a combater – uma luta que vai muito além da agradável, inapelável e inócua ideia de “direitos humanos” que o Fantástico priorizou. Aqueles que se sentem ameaçados pelo ativismo e pelos princípios políticos de Marielle percebem que sua morte está fortalecendo esta luta – e querem desesperadamente redirecionar estas poderosas emoções para longe do que ela acreditava e inspirava, em direção a uma ameaça menor ao poder do status quo.
    É por isso que o Fantástico investiu pesado nas emoções humanas nesta reportagem – o sofrimento, o choro dos parentes, o assassinato de um pai de família trabalhador que sustentava seu bebê, a raiva que todos sentimos quando uma vida humana é violentamente extinta, a música fúnebre que nos deixa tristes – e ignoraram os aspectos políticos assustadores da vida de Marielle.
A Globo sabe que não pode deter ou limitar o poder das emoções, então ela tenta torná-lo apolítico e portanto inofensivo. Ela quer que toda essa tristeza e indignação caiam no buraco negro da irrelevância política, como uma de suas super-emotivas novelas, onde o assassinato de Marielle não tenha significado nenhum além de deixar as pessoas um pouco mais irritadas com a escalada da violência no Brasil.
    Mas ainda pior que a supressão das convicções politicas de Marielle foi a tentativa do Fantástico de despolitizar sua morte – ao tentar explorar a imagem de Marielle para obter apoio à uma política que ela detestava: a “intervenção” militar de Michel Temer no Rio de Janeiro. Depois de 45 minutos construindo tristeza e raiva pelo assassinato, o Fantástico canalizou esses sentimentos de forma manipulativa e exploradora, subvertendo as causas políticas de Marielle.
Imediatamente em seguida aos segmentos homenageando Marielle veio um sobre o assassinato horrível de uma criança no complexo do Alemão, indo em seguida para um repórter em Brasília que informou que o presidente estava naquele momento em uma reunião com ministros em busca de mais recursos para a intervenção.
Foi nesse momento que ficou clara a agenda odiosa e ameaçadora do Fantástico. Não se tratou somente de eliminar o risco de que a morte de Marielle galvanizasse apoio para a causa política à que ela dedicou sua vida. Foi ainda pior: exploraram a morte de Marielle para fortalecer tudo que ela lutou contra
A mensagem do Fantástico foi tão óbvia quanto foi detestável: “agora que passamos todo esse tempo te deixando triste e com raiva pelo assassinato brutal de Marielle, você deve entender que a intervenção militar de Temer é justificada”. Oficiais do PSOL e outros ativistas de esquerda reconheceram imediatamente o que estava acontecendo e denunciaram essa distorção.

Para @Showdavida: fala que a Marielle era contra a intervenção no RJ, Fala que ela estava na comissão para investigar. Não queremos dinheiro p intervenção, queremos dinheiro para educação, saude e postos de trabalho. Conta a história da Marielle direito.






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