segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

QUANDO VOCÊ TEM UM IRMÃO QUE ESTAVA NA CHINA SITIADA PELO CORONAVÍRUS (3)

 

     Foram 15 dias , nesse janeiro de 2020, que meu irmão, minha cunhada e minha sobrinha passaram na China. Ele fez um relato sobre a notícia do surgimento do Coronavírus.
    É a série "A CHINA QUE EU VI" - episódio 3

     Quando chegamos, no dia 17, o Coronavirus era um problema pequeno, ocorrido lááá na distante Wuham (uns 2 mil quilômetros de Pequim). Encontrei em Pequim uma cidade dinâmica e movimentada, metrôs sempre cheios, muita gente nas ruas, comércio a toda. Depois de dois dias fomos a Hangzhou (le-se “Randíu”) para conhecer a cidade que Marco Polo definiu como a mais linda do mundo. Bom, Marco Polo vivia na Europa medieval então a opinião dele não conta muito. Mas Hangzhou é de fato linda. Ficamos em uma pensão dentro de um parque nacional belíssimo. 
    Como Hangzhou fica perto de Xangai (200 quilômetros) passamos um dia lá. Foi aí que começamos a perceber que algo estava acontecendo. Usar máscaras o tempo todo nas cidades chinesas é normal. Pequim tem índices de poluição aérea de 10 a 20 vezes pior que São Paulo. Mas ao chegar em Xangai um policial da estação de trens nos aconselhou a usar máscaras, o que fizemos. Percebi que absolutamente todas as pessoas usavam máscara. Todas. Quando voltamos a Hangzhou as noticias eram de que Wuham havia sido fechada pelo exército. Soldados com armas automáticas impediam as pessoas de sair da cidade. A seguir o estado foi fechado. 
    Quando voltamos de trem para Pequim, o trem estava vazio. Encontramos Pequim como uma cidade fantasma. Ruas vazias, lojas fechadas. Encontrar máscaras e álcool gel era quase impossível pois a população acabou com o estoque. O governo aconselhava as pessoas a ficar dentro de casa, mas como estávamos lá pra passear, fomos às ruas. O metrô funcionou o tempo todo, mas além da policia que revistava as pessoas na entrada haviam agora agentes de saúde com roupa de proteção biológica e algo nas mãos que parecia uma pistola laser: era um termômetro que media sua temperatura à distância. Um dos primeiros sinais do Coronavirus é febre. Nenhum de nós tinha febre, mas não gostaria de pensar o que aconteceria se tivéssemos. 
    Vimos que em Pequim fecharam as grandes atrações turísticas para evitar aglomerações (Muralha da China e Cidade Proibida) e por isso não pude visitar. A seguir foi fechando o comércio. Os hutongs (bairros populares com comércio intenso) estavam todos fechados. Começou a ficar difícil achar restaurantes para comer. O governo mandava as pessoas estocar comida pois a previsão era fechar tudo. Havia um grande supermercado em um shopping do outro lado da avenida em cujo apartamento estávamos. Ele era 24 horas, mas no dia 29 só funcionou até as 19:30. Tentamos entrar no shopping e fomos expulsos por seguranças. No dia seguinte às 18 horas já estava fechado. O shopping estava cercado por fitas plásticas parecidas com aquelas de filmes americanos em locais de crimes. Mas notamos que ele estava iluminado e alguns chineses ignoravam as fitas e entravam assim mesmo. Fomos atrás. 
    O super estava fechado, subimos à praça de alimentação que era imensa, mas tudo fechado, exceto um restaurante onde comemos muito bem. No dia seguinte voltamos ao Brasil. A esta altura eu acompanhava o site da companhia aérea diariamente buscando informação se havia chance de fecharem os aeroportos. Felizmente até nossa saída isso não aconteceu. Para o embarque a segurança foi muito rigorosa. Na entrada do aeroporto havia uma barreira de segurança a ser passada. Depois, na área de embarque era necessário preencher uma ficha com seus dados pessoais e a informação se você havia estado em Wuham ou não e se você tinha sintomas de gripe ou não. Nova inspeção na hora de entregar a ficha a agentes com aqueles trajes biológicos de segurança máxima. Depois ser fotografado e passar a bagagem de mão pelo raio X, onde uma funcionária estressada abria todas as sacolas e revirava tudo. Ela passou tudo de novo no raio X e ao fazer um dos cartões de embarque caiu no chão. Pedi a ela pra me devolver, mas ela se fez de surta ou nem prestou atenção. 
    Sem o cartão, sem embarque. Tentei então à moda chinesa: berrei com ela pra me devolver o cartão. Ela tomou um susto, pegou o cartão e me devolveu. Na porta do avião nova revista minuciosa da bagagem de uns poucos felizardos. Felizmente ali passamos batidos. Foi um alivio ver o avião levantar voo. Na escala dos Estados Unidos, um agente de imigração cansado e com ar sonolento fez as perguntas de rotina e nos entregou um folheto nos avisando a ficar de olho por 15 dias em sinais de gripe e se ocorresse avisar o médico que estivemos na China. 
    No Brasil nem isso, passamos na maquina automática de analise de passaportes. Quando estávamos na China a comunicação com o resto do mundo era difícil por conta do bloqueio das redes sociais. Além disso não falávamos a língua e creio que as notícias foram censuradas. Sabíamos pouco, mas as normas que estavam sendo baixadas deixavam claro que algo de sério se passava. De repente as noticias explodiram na imprensa ocidental e as pessoas passaram a nos escrever preocupadas. 
    Ainda acho que a grande divulgação da imprensa (e os sentimentos racistas contra os chineses) não é casual. Em 2003 houve a crise do vírus Sars, também na China. O índice de mortalidade do Sars era de 10%, o do Coronavirus 2%. Ou seja, o Sars era 5 vezes mais mortal. Na época não houve tanta divulgação. Creio que o atual interesse tem muito a ver com um esforço de desmoralização da China por conta da guerra comercial com os Estados Unidos. A luta pelo domínio da internet 5G, que vai definir quem comanda o mundo nos próximos anos, está em toda sua intensidade. 
    O vírus é desprezível? De forma alguma e se esta luta tem um lado positivo é a atenção que o vírus está recebendo. Mas tenho clareza de que se trata de um esforço de guerra comercial injusto com os chineses. Eles são organizados e estão dando um duro danado pra conter o vírus.

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