sábado, 7 de novembro de 2020

DEUS NAS MANCHETES

   


 Com exceção dos jornais, rádios e TVs criados especificamente por igrejas (pra falar diretamente com seus fiéis...), acredito que a imprensa deve ser laica. Dai a Gutemberg o que é de Gutemberg e a Deus o que é de Deus. 
    Obviamente que direitos humanos devem ser respeitados e difundidos por todos os meios de comunicação. Mas respeitar o próximo não necessita, necessariamente, ser feito com o apoio de uma religião. Ao contrário. Independente da pessoa ter - ou não - alguma crença, o respeito à vida (em sua amplitude) deve ser a pedra fundamental de uma sociedade.
    Assim como Deus deve "ficar fora" da política (e como tem político que fala "em nome de Deus"), igualmente deve ficar fora da imprensa. Mas já foi dito que o exercício do jornalismo é um "sacerdócio". Mas não no sentido religioso! Palavras de Fernando Pessoa:
    "A religião e o jornalismo são as únicas duas forças verdadeiras. Quando se diz que o jornalismo é um sacerdócio, diz-se bem [...] O jornalismo é um sacerdócio porque tem a influência religiosa de um sacerdote". Frase do "Arquivo Pessoa".
    A "crença" e a "missão" do jornalista (se é que se pode dizer assim...) devem ser a dúvida sempre em primeiro lugar ("acredite sempre duvidando", sempre desconfiando que "aquilo pode não ser aquilo" que dizem) e a busca incansável pela verdade. Se estamos tratando de religião, então que todo repórter se assuma um "São Tomé", desconfiando de tudo o que dizem, procurando saber se não existe uma "outra verdade".
    A imprensa tem esse aspecto "místico" por vender a notícia como o espelho da realidade, aquilo que realmente aconteceu (ou está acontecendo). Por isso, ganha credibilidade o veículo que "não esconde" a verdade (seja por motivos políticos ou econômicos). Sobre o "The New York Times", escreveu Gay Talese:
    "O NYT era a bíblia de todas as manhãs, que os leitores acreditavam como a realidade e a verdade. Essa fé cega fazia muitos timesmen como monges. Em 1915 o jornal estava tão rico que poderia rejeitar anúncios em prol de notícias de última hora. [Adolph] Ochs [que reformou o Times] dirigia um grande negócio e uma teocracia. O dinheiro deveria ficar em um andar diferente do seu templo."
    Ou seja, notícia, dinheiro e Deus nunca devem se misturar...
    Por falar em poder, plenitude, onipresença, sentimento de "ser Deus", tem uma frase no folclore jornalístico atribuído a Roberto Marinho (1904-2003) que foi dono do Grupo Globo:
    "Se acaso algum dia eu vier a lhes faltar..."