sábado, 25 de junho de 2022

"CAFARNAUM": MISÉRIA É MISÉRIA EM QUALQUER PARTE

   


     O ser humano se identifica nas chamadas "histórias universais", aquelas que poderiam acontecer em qualquer lugar desse mundão de meu Deus. Principalmente se for uma história de violência e/ou miséria e/ou injustiça.
     É o que acontece no ótimo filme libanês, de 2018, "Cafarnaum", dirigido por Nadine Labaki. O roteiro gira em torno do menino Zain (Zain Al Rafeea, ótimo no papel), de 12 anos, que apesar de estar ainda na pré-adolescência, já carrega responsabilidades de gente grande: Ele mora com os pais num "muquifo" e cuida da "penca" de irmãos pequenininhos. Ainda tem que trabalhar numa mercearia e espantar os "gaviões" que começam a rondar a irmã de 
apenas 11 anos, mas que muitos marmanjos já a enxergam com uma possível promessa de esposa. 
     O filme mostra isso: Crianças são vendidas como se fossem "bichos de estimação". As mulheres preferem ter filhas, porque nessa "lógica de mercado", a menina "vale mais" porque ela representa uma futura negociação para um casamento comprado.
     E isso acaba acontecendo com a irmã de Zain, Sahar (Cedra Izam). O menino se revolta com o casamento da irmã com um homem bem mais velho e sai de casa. Vai (sobre)viver nas ruas. Conhece refugiados e acaba sendo "adotado" por uma imigrante ilegal, Rahil ( Yordanos Shiferaw), que é mãe solteira de um bebê. 
    Se a vida de Zain até agora já era terrível, ele se vê num inferno quando Rahil vai presa por falta de documentos. O garoto (que demonstra uma maturidade fora do comum para a idade e de uma personalidade muito forte), precisa batalhar comida para ele e para o bebê. 
    Num lugar onde, como foi dito, o comércio de crianças é "normal", um pilantra dublê de vendedor de bugigangas, que vende todo tipo de documento falsificado, tem uma das falas mais chocantes de "Cafarnaum". Ele tenta comprar a criança de Zain, e argumenta:
    "Esse menino não tem documento, ele não é ninguém. Não existe. Um pote de catchup é melhor documentado do que ele. Pelo menos tem identificação da data de fabricação, composição e data de validade".
    Apesar de tanta dor e sofrimento, a diretora não transforma a história num melodrama, num novelão. Tinha tudo pra isso. Preferiu manter uma linha de "natureza nua e crua".  O uso de uma câmera "nervosa" e a lente , muitas vezes na altura da visão das crianças, dão agilidade e não deixam a produção monótona nem "arrastada". Pelo contrário. 
    Um fato trágico que acontece com a irmã de Zain faz com que ele busque (literalmente) justiça com as próprias mãos. Isso ajuda a começar a "desenrolar o novelo"  da crueldade que se vê ao longo da história. Os problemas daqueles miseráveis são muitos, impossível, óbvio, resolver todos. Mas é mostrado um rumo para isso começar.
    A história de Zain personagem é praticamente a mesma do Zain ator. Na vida real, Zain, um sírio refugiado no Líbano, era analfabeto na época em que fez o filme. Mas, em uma entrevista, a diretora Nadine Labaki afirmou que ele havia conseguido a cidadania na Noruega e já frequentava a escola aprendendo a ler e a escrever.
    Cafarnaum que dá nome ao filme, é uma cidade bíblica na margem norte do Mar da Galileia. Conta a história que Jesus Cristo viveu lá a maior parte da vida. 


Nadine dirigindo o pequeno Zain

* O filme está disponível no NOW





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