terça-feira, 10 de maio de 2022

LUTO NO JORNALISMO: MORRE ALBERICO DE SOUZA CRUZ, EX-DIRETOR DA GLOBO

   


    Por melhor jornalista que tenha sido, Alberico de Souza Cruz entrou para a história do Jornalismo brasileiro como um dos autores da edição indecorosa do debate entre Lula e Collor no segundo turno da eleição presidencial de 1989. A primeira depois da redemocratização do país.
    Segundo a direção do hospital onde ele estava internado há alguns meses, a causa da morte foi a complicação causada por uma leucemia. Alberico estava com 84 anos.
    Mineiro de Abaeté, nasceu em 1938. Além da TV Globo, trabalhou em alguns outros veículos de comunicação: Jornal do Brasil, revista Manchete, Veja e Última Hora. Em 1980 entrou na Globo onde foi diretor regional em Minas Gerais. Daí foi para a "nave-mãe" platinada no Rio de Janeiro.
    Em 1989,  era diretor de jornalismo subordinado ao então diretor-geral Armando Nogueira que o "acusou" de ser o responsável pela "manipulação" da edição do debate que favoreceu Fernando Collor, que acabou eleito presidente.
    Nogueira afirmou que Alberico e o então editor de política, Ronald Carvalho, teriam "deformado" o embate entre Lula e Collor. 
    Em 2021, em depoimento ao projeto "Memória Globo", Alberico deu a entender que "não se arrependeu" do que fez:
    "Foi uma época riquíssima, talvez seja uma das melhores coberturas que nós fizemos. O Brasil estava muito dividido  naquele momento, e você tinha uma presença muito grande de participação política dentro das redações".
    No ano seguinte, em 1990, Alberico assumiu o cargo de diretor-geral de Jornalismo no lugar de Armando Nogueira, que foi demitido. Comandou o Jornalismo da Globo até 1995.
    Sobre o episódio do debate, o portal Observatório da Imprensa fez uma ampla reportagem. Confira abaixo:

    Armando Nogueira, então diretor da Central Globo de Jornalismo, acusa nominalmente Alberico de Souza Cruz, um de seus diretores, juntamente com o editor de política, Ronald de Carvalho, de terem deformado a edição apresentada no Jornal Hoje e que deveria ser repetida sem qualquer alteração.

‘Alberico, à minha revelia, mandou fazer alterações, das quais eu só tomei conhecimento no ar. Então eu estava diante de um caso típico de deslealdade, de traição profissional, traição funcional (…). Foi um caso típico de deslealdade profissional desse rapaz que era uma pessoa de minha confiança e que segue até hoje e vai continuar negando até o Juízo Final. Mas, no Juízo Final, continuarei a responsabilizá-lo por isso’ (Armando Nogueira).

Alberico de Souza Cruz, por sua vez, afirma que recebeu uma ligação de Ronald de Carvalho dizendo que Alice Maria e João Roberto Marinho queriam alterações na edição apresentada no Jornal Hoje, pois Lula teria sido privilegiado e o correto seria algo mais equilibrado. Alberico afirma que não quis se envolver na questão e deixou Ronald livre para fazer como quisesse. Alberico é enfático ao dizer que a edição foi correta, mostrou que Collor havia se saído melhor do que Lula, mas de forma alguma teve responsabilidade sobre ela.

‘Eu não desci sequer para ver a edição. Eu não estive na ilha. Eu estava na minha sala (…). Para mim é uma manipulação que se fez contra mim por uma razão muito simples: é que o dr. Roberto Marinho depois me escolheu como diretor de jornalismo. Eu vejo falar em crise na redação, que ameaçavam brigar comigo. Mas continuei na Globo do mesmo jeito, sem ninguém falar nada comigo’ (Alberico de Souza Cruz).

Alice Maria, então diretora-executiva da Central Globo de Jornalismo, afirma que mandou reproduzir no Jornal Nacional a mesma matéria do Jornal Hoje, porém, ressalva que Alberico telefonou para Armando Nogueira sugerindo algumas modificações. Armando teria concordado, mas avisado que a isenção deveria ser mantida.

‘Eu estava na sala do Armando quando o Jornal Nacional foi ao ar. Ao ver a edição do debate, levei um susto. A matéria do JN não tinha nada a ver com a do Hoje. O Alberico ignorou a orientação que recebera. Na verdade, ele tinha traído a confiança do Armando e alterado completamente a edição’ (Alice Maria).

Ronald de Carvalho assina embaixo da defesa de Alberico Souza Cruz e assume para si toda a responsabilidade da edição. Ele diz que não concordava com a isenção, que naquele momento era preciso mostrar a realidade. Ronald diz ter recebido de Alice Maria ordens para refazer a edição, pois estava tudo muito igual e o debate não havia sido assim, mas ressalva que os critérios foram seus e de mais ninguém. Ronald afirma ter ido para a ilha, liberado o editor Octávio Tostes, e ter feito tudo sozinho.

‘Eu, desde o primeiro momento, sempre tenho dito e repito: o único responsável pela edição do debate fui eu; não recebi instruções de ninguém’ (Ronald de Carvalho).