Reflexão perfeita que mereceu ser "roubatilhada" por esse blog....
Algumas palavras sobre um novo jornalismo
Vivemos diferentes tipos de luto: a morte, a separação, a despedida, a demissão, o rompimento de uma amizade, etc. Cada um aqui terá uma história parecida com a minha quando eu soube da morte de Elis Regina ou Sena, ou o cão chamado Veludo, e por aí vai.
Intrigados com a foice da morte que ceifa onde não devia, realmente nos perguntamos por que razão ela corta o trigo e não o joio. E, se cremos em Deus, por que seus desígnios são tão estranhos. Se não cremos, cabe analisar a lógica perversa de determinadas situações, seja o câncer, um avião que cai, a ciclovia que desaba no exato momento em que uma pessoa dentre sete bilhões passava ali. Viver é perigoso, disse-o Guimarães, e viver não é nada fácil, já diziam nossas avós. Também podemos sentir tristeza pela morte de uma pessoa já idosa ou dizer, até como um exercício de autopiedade ou autoconforto, que ela viveu o bastante. Casos atuais? Bibi Ferreira, Karl Lagerfeld, dois exemplos de grandes profissionais ou workaholics, decida.
E as mortes trazem outras questões, principalmente quando o sujeito que nos deixou mexe com milhões de corações, caso de Boechat. Nunca fui exatamente um entusiasta pelo tipo de jornalismo que ele fazia, mas aprendi a respeitar alguns traços seus, que faltam muito no jornalismo brasileiro — e falo do jornalismo tendo vivido suas entranhas, embora não seja jornalista e embora a empresa para a qual trabalhei desdenhe meu trabalho e diga que não trabalhei, o que reforça o fato indiscutível de que precisávamos e precisamos de pessoas como Boechat.
As pessoas são complexas. Difícil analisá-las dentro de uma caixinha, fechada, de pequenas dimensões. Lógico que Boechat deu muitas mancadas na vida de jornalista. Quem não deu? Cometi erros terríveis na televisão também, que me deixavam sem sono durante dias. Vi repórteres indo pra casa, chorando, porque tiveram de fazer uma matéria podre ou sonegar informações igualmente podres sobre determinada empresa ou pessoa que, inclusive, pagava o horário do jornal no ar. Vi pessoas com o ego tão inflado que estavam pouco se lixando para o teor da notícia, desde que o terno ou o Chanel de bico alisado parecessem perfeitos no vídeo.
Grande parte das pessoas de fora do jornalismo não sabe, esquece-se ou finge que não sabe que o jornalismo é, para além de uma rede informativa, uma rede de informações ligada a um negócio, e que depende de um dono — donos — de um time imenso de pessoas trabalhando juntas (e não porque uma divindade as quis ali bonitinhas, sentadinhas nas baias lado a lado). Horrível isso? Aham, horrível. Mas a rede de informações é necessária.
A morte de Boechat nos traz alguns questionamentos sobre o jornalismo, e a pergunta mais importante — e por isso mesmo difícil de responder — é, ou são: para onde vamos? O que vamos fazer a a partir de agora com o que se transformou o jornalismo? Que saídas temos para ele?
Grande parte dos mitos antigos trata da ressurreição ou do renascimento. Para os maias, por exemplo, os mortos desciam ao Xibalta para renascerem, algo como o movimento do sol, que se põe e depois aparece glorioso. Guardadas as devidas proporções, algumas facções do jornalismo morreram ou estão em profundo estado de decomposição. Cabe a nós, profissionais do jornalismo (pois é, me incluo), e demais profissionais, como os da linguagem, como eu, encontrar respostas, que vão desde a forma (língua padrão, etc.) até o discurso. Só não valem as fake news, a imprensa marron, o jornalismo-sangue, a perseguição sistemática, a cobertura tendenciosa ou farsesca . Também não vale humilhar as pessoas, ser mais que o entrevistado, fazer piadas quando o assunto é sério. Difícil? Se fosse fácil, a gente ia pra praia, deixava as havaianas na areia e corria para o mar, só voltando para pegar a cerveja gelada e o camarãozinho frito com limão e sal.
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